A religiosidade guarapuavana busca aperfeiçoar os bons costumes, mas alimenta a saciedade pelo preconceito.
Quando se fala em prostituição feminina, lembra-se imediatamente de um beco escuro cheio de mulheres com roupas justas ou de alguma senhora religiosa inconformada com a “atual situação do mundo”.
A venda de serviços sexuais existe há aproximadamente 25 mil anos, mas é com o crescimento do devoto religioso ocidental que a prostituição foi marginalizada. Em cidades como Guarapuava, interior do Paraná, em que as igrejas possuem um grande domínio de julgo sobre o certo e o errado da sociedade, a prostituta é obrigada a enfrentar situações semelhantes a que existiam há mais de cinco séculos, sua animalização.
Ao caminhar pelas Avenidas XV de Novembro ou Padre Chagas, após as 21 horas, nota-se que as prostitutas possuem, além da objetivação sensual de suas atitudes (haja vista a necessidade do emprego), um extremo medo de sofrer com o preconceito imposto pelo convencionalismo religioso.
A maioria das pessoas as tratam com requinte de inferioridade. Embasadas na “lei da moral e dos bons costumes”, que todos afirmam ser uma verdade indiscutível de Deus, desaparece qualquer possibilidade de autocrítica relacionada a valores humanos, indiciando e facilitando a existência de violência, de estupro, de maldades exacerbadas e de assassinatos hediondos.
As profissionais do sexo não têm a quem recorrer, já que a judiciosa interpretação bíblica, e sua “verdade absoluta”, padronizam as formas de pensar da polícia, do ladrão, do demônio e do santo.
Enquanto isso, os homicídios continuam na complacência dos higienizados.
Em 2004, para a realização de um documentário chamado Mucamas, entrevistamos 4 mulheres e uma transmulher.
Após visitar dois prostíbulos e dois postos de gasolina, presenciamos que o medo estava presente em todas. Uma das garotas, chamada Stephye (nome fictício), pagava seus estudos universitários fazendo programas. Antes de receber os clientes, ela avisava uma colega e passava um “relatório” de tudo que sabia a respeito dele. “Se algo acontecer comigo, minha amiga saberá tanto quanto eu”. Ela também destaca que recebe mais homens casados do que solteiros. “A maioria é casado. Eles nem tiram a aliança. Alguns querem mais carinho do que sexo”, destaca Stephye.
Já a Lisa, transmulher que se prostitui e faz seu ponto na BR 277 (saída de Guarapuava), também tem muito medo. Por isso, ela combinou com as colegas de profissão de contratar um garoto que as protege. Isso é visível. Antes de entrevistarmos a Lisa, tivemos que pedir autorização a um rapaz (de aproximadamente 22 anos). Ele, armado, dizia que recebia um salário para ninguém “machucar as meninas”.
Conversando com a Lisa, ela nos disse que a maioria dos clientes a pagava para serem passivos na relação. “A maioria dos clientes que vem aqui gosta de homem, mas tem preconceito contra viado. Então procura a gente”. Perguntamos se entre os clientes havia muitos religiosos. Ela só sorriu e disse pra gente: “deus sabe de tudo”.
por Francisco Arquer Thomé
Ano da Publicação: 2005
DADOS ATUALIZADOS (2010): Guarapuava é a 96ª cidade no ranking de homicídios femininos no Mapa da Violência.
DADOS ATUALIZADOS: Com mais de 85 mil mulheres, vale lembrar que de 2009 a 2013, 28 guarapuavanas foram assassinadas fruto do feminicídio.